Quando comemos uma simples coalhada árabe, com um pãozinho sírio e temperada com azeite, agradecemos aos nossos irmãos Ismaelitas por este hábito que, aqui no Brasil, tão naturalmente ganhou adeptos. Por traz de tudo isso existe uma tradição de séculos ou até milênios.
Os primeiros humanos devem ter experimentado de tudo, até plantas venenosas e com o passar do tempo, os grupos trocavam informações e com isso não precisavam seguir experimentando aleatoriamente. Com o tempo vimos que foi ocorrendo uma longa seleção do que era bom e não era, do que funcionava e do que não funcionava, do que vale ou não vale a pena.
Por mais que os espíritos vem e vão, com as gerações espirituais que hora migram para a terra, ora se dirigem a outros orbes, a humanidade vai evoluindo e criando uma tradição do que dá ou não dá certo. Foi esta troca constante de informação em grupos pequenos, médios e grandes que diferenciou o Homo Sapiens Sapiens (nós) do Homo Sapiens (como o Neanderthal) - o primeiro dominou o planeta e o segundo se extinguiu.
Quando vai chegando o carnaval nós sabemos que, salvo incêndio como este, as escolas entrarão na avenida e não há quem as segure. Cada escola conta com um espetáculo de centenas de fantasias, alas, ritmo, evolução, alegorias, samba enredo... Tudo isso sendo resolvido ao longo de décadas. Se por um acaso fosse necessário um desfile em julho, as escolas se mobilizariam e conseguiriam este feito. Já sabem os caminhos, já confiam nele.
Em época de Copa do Mundo, sabemos que Itália, Alemanha, Argentina e Brasil entram para ganhar. E se numa copa um destes vai mal, o país (torcida imprensa, federações, técnicos...) pressiona e se mobiliza para reverter isso. Existe um caminho já conhecido do que leva ao sucesso, do que não leva.
O ser humano precisa das tradições, elas são a nossa força. As tradições estão no nosso trabalho material, nas religiões, em nossa família, na nossa comida, em nossas roupas, em tudo o que está ao nosso redor. Tudo o que foi testado ao longo do tempo, por gerações, por épocas e costumes diferentes, tudo isso se agrega às tradições e as fazem evoluir.
A tradição não é imutável, ao contrário, pode ser lapidada, refinada. Existe sim uma Verdade maior, as tradições nos aproximam desta Verdade, nos fazem tocar de raspão uma parte Dela.
Conservação e Renovação são duas leis naturais, detalhadas já no Livro dos Espíritos de Allan Kardec. Não podem duas leis serem antagônicas, mas ao contrário, são leis que se encaixam, que testam a vida e a provocam com para a evolução pela dualidade e ritmo. Faz parte das tradições conservar o conhecimento do que se julga importante, principalmente no que se refere a princípios morais, filosóficos e práticos. Mas faz parte das tradições que tudo aquilo que conservamos, que se sustente por si só, principalmente com o passar dos anos. A Fé inabalável é aquela que pode encarar face a face a verdade ao longo dos séculos, como assim disse Kardec. Foi assim que o judaísmo e outras filosofias sobreviveram ao longo de milênios: se conservando e se depurando. O judaísmo de hoje é muito melhor que o de 2 mil anos atrás, evoluiu juntamente com a humanidade, mesmo se baseando em textos antigos (conservação), hoje o que se vê é uma prática livre e aprofundamento nos estudos da Zohar (renovação).
A Religiosidade é uma coisa pautada na tradição. A tradição é pautada naquilo que funciona, que dá certo. A tradição não é o fazer por fazer, por que todo mundo faz e "sempre" fez. A tradição está aí de peito aberto para ser testada.
Minha avó rezava todas as noites por cada familiar, com o seu Terço. Foram 92 anos de vida, possivelmente com quase 90 deles rezando. Você acha que ela rezaria a vida toda se fosse alguma coisa que ela não teria testificado que funcionasse? Ela rezava, assim como milhares de avós e bilhões de pessoas rezam todos os dias pois isso funciona, dá certo. O cético está aguardando os resultados da ciência para se certificar que a prece dá certo. Mas a humanidade já há muito tempo já descobriu que o caminho da prece é um caminho que dá certo.
A Religiosidade é uma tradição humana que desafia os céticos. Quem tem olhos científicos verdadeiros se perguntará: se a religiosidade fosse este câncer dos céticos, por que a humanidade, tão brilhante e inteligente, não a abandonou? O politeísmo foi abandonado pelo monoteísmo. Um sobe e outro caí. Mas o Catolicismo se renovou, assim como o Islã e o verdadeiro protestantismo e todos eles vem com mais força que antes, com mais corpo. Ou seja, se não tivessem verdades grandes ali dentro, eles teriam perdido forças ao invés de se renovado. A tradição humana não é burra, foi ela que chegou à ciência que o cético hoje se delicia. E foi ela que chegou à Fé em Deus, que o cético se revira na cama.
A Reforma Íntima é atrelada às religiões. Por muitos séculos ela foi maltratada, mas basta que as pessoas busquem as palavras de luz, como por exemplo no novo testamento, para perceberem que não há religiosidade que dê certo se não nos renovarmos os nossos sentimentos - e com isso também nossas atitudes e pensamentos. A tradição humana há muito tempo mostra que os que conseguiram religar-se (daí vem religião) a Deus, o conseguiram através de um esforço de renovação, entrando por uma porta estreita. Se eles conseguiram, podemos conseguir também e assim vamos todos atrás deles experimentar o caminho.
A tradição é uma coisa que se passa através dos livros, mas o canal principal é a tradição oral, aquela que se compartilha a vivência, principalmente em grupos. Escolas nascem aí. A tradição mostra que a melhor forma de eu transmitir nossos conhecimento é em grupo, e que cada qual possa tirar dúvidas, refletir, colocar-se, trocar, acolher, não julgar... No futuro das escolas iniciáticas dominarão o planeta. Elas sempre existiram, mas num mundo onde a média evolutiva desta geração de espíritos ainda estava baixa, elas não se expandiram. Agora que estamos mais crescidinhos, podemos usufruir desta idéia (de escolas) que nunca morreu pois sempre deu certo, mesmo passando a humanidade por 15 séculos de muitas dificuldades.
No Espiritismo estamos criando a nossa tradição do que dá certo e do que não dá certo. Se voltássemos aos anos 1940 talvez não gostássemos muito de algumas práticas espíritas da época, talvez optássemos por outra religião. Hoje já sabemos que o caminho da assistência espiritual dá certo, já sabemos que cursos são necessários, que o trabalho voluntário é básico para se colocar em prática o que se aprende, que a reforma íntima deve ser trabalhada a vida toda, que a mediunidade é ferramenta de Deus para auxílio...
Mas conversando com as pessoas de centros, principalmente mulheres, percebo nelas um certo incômodo. Elas querem testar mais coisas. Não pode existir somente estas coisas, elas vivenciaram outras coisas espirituais que funcionam, elas querem ver como isso se encaixa no espiritismo e vice e versa. Estão aparecendo pessoas de muita luz que explicarão estas práticas não espíritas à luz do espiritismo. E o Zaki aqui tá feliz, pois sempre pensou nisso: o que é verdade não pode conflitar com outra verdade, por isso se uma coisa é verdade ela é de Deus também. Florais, UFOs, Tai Chi Chuan, Meditação entre outras coisas são de Deus e tudo isso será harmonizado com o espiritismo por estas pessoas de Luz.
Faz parte da tradição espírita a renovação: movimentos novos (união sim, unificação não), estudos, evolução da compreensão, qualidade (e não quantidade), respeitar as outras práticas religiosas (pois elas trazem sabedorias de séculos e milênios)... Assim como integrantes de uma escola de samba, como vamos nos colocar nas tradições da nossa religião?
Nenhum comentário:
Postar um comentário