terça-feira, 8 de março de 2011

Noel Rosa - By Zaki

Para ilustrar este post, vamos colocar a música aqui de Noel Rosa, Último Desejo, como base para entendermos a sua genialidade.

"Nosso amor que eu não esqueço, e que teve o seu começo numa festa de São João.
Morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete, sem luar, sem violão.

Perto de você me calo, tudo penso e nada falo.
Tenho medo de chorar.

Nunca mais quero o seu beijo mas meu último desejo você não pode negar:

Se alguma pessoa amiga pedir que você lhe diga se você me quer ou não.
Diga que você me adora, que você lamenta e chora a nossa separação.

Às pessoas que eu detesto, diga sempre que eu não presto, que meu lar é o botequim.
Que eu arruinei sua vida, que eu não mereço a comida que você pagou pra mim."


Tudo o que está aí é meia mentira, mas é verdade inteira. Em 9 frases simples, com tamanha simplicidade que após 80 anos, o vocabulário é plenamente compreendido. Mais ainda, cada vez que o tempo passa, vamos compreendendo o insight de Noel em compreender uma separação dolorosa.

Noel consegue se colocar no lugar do outro, consegue mostrar harmonia no turbilhão de sentimentos que inundam o coração num momento como este, muitos sentimentos contraditórios, castelo de cartas que caem e se montam rapidamente.

A música vale para as duas situações de término. (1) Noel foi deixado pela mulher que mais amou, aquela que o trocou pelo Coronel. (2) Noel deixa a mulher dedicada com quem se casou (Laurinda), mas que não a amava devidamente (quem vai saber?). Na situação (1), Noel engole em seco quando vê a ex. Ele a deseja por todos os poros, mas foi tão violentamente ferido que se arma na presença da (ex) amada. Na situação (2), ele sente de todo o coração que falhou como marido, que poderia ter dado muito mais a quem tanto lhe deu. Um verso para duas situações. Uma verdade: separação é algo traumático. A perda é algo que temos que passar, assim como o nascimento e a morte.

Até na brincadeira de ter 2 verdades para 2 grupos sociais (pessoas amigas e pessoas que ele "destesta"), Noel acerta: cada um recebe a verdade que merece. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça. Ou seja, temos que ser merecedores para ouvir a verdadeira verdade, que sempre é mais branda e justa que um noticiário policial. Realmente as duas verdades coexistiram, ele foi boêmio inveterado e um companheiro amável.

Neste carnaval 2011, a TV Cultura mostrou um especial sobre o Noel, que antecipou este post que estava na gaveta. Sambistas de todo o Brasil buscam bons compositores e encontram em Noel uma infindável obra que mostra o que eles adoram: coisas do povo, verdades antes ocultas que o poeta levanta. Noel observava, sentia, estava junto daquele que dormia ao relento, daquele que tomava um café com leite, daquele que trabalhava em órgão público... Noel se colocava no lugar dos outros e ouvia o coração, traduzindo em versos, esculpidos em poucas frases, poucas palavras.

A alegria sempre foi uma marca dele, encarnado ou em espírito. Apesar da vida dura, da época difícil da crise de 1929, Noel buscava na piada, na brincadeira, dar alegria a si próprio e aos seus amigos. Alegrava a todo um povo e agora alegra às gerações.

Se os jovens músicos desejam fazer música boa, que estudem a história da MPB, que toquem e cantem, eduquem os ouvidos e as canetas. Mesmo que inovem, que transgrida, mas que o façam com cultura, com classe, pois assim fizeram João Gilberto, Caetano Veloso, Renato Russo e tantos outros. Mas fizeram com classe.

O ponto de vista do outro é importante. A democracia não é o estágio máximo de nossa sociedade. Precisamos criar um novo sistema, maior que a democracia (não o seu inverso), que possamos ouvir a todos, ouvir as minorias, ouvir os ocultos corações que não se manifestam. Precisamos trabalhar em conciliação, de maneira mais colegiada. Um condomínio residencial, sabemos, não funciona pela democracia, mas pela conciliação. Noel sabia disso e por isso se colocava no lugar do outro. Por isso respeitava as pessoas e achava agressivo demais falar a ou b de alguém.

Esta canção mostra que amamos aqueles com que convivemos. O teatro da vida nos afastam de pessoas que amamos por nossa falta de compreensão do amor de Deus.

Também mostra que o que ele pede que ela diga é o que ele gostaria de dizer. É a projeção pura e simples. O que ele pede é o que ele sente. Ele sente tudo aquilo que está escrito. E quiçá ela também sinta, também compartilhe. Ambos com o coração partido.

Musica singela, curta, perfeita, que passam diversas informações em poucas palavras, curtas e preciosas frases.

O Poeta da Vila mostra que devemos nos preservar da dor. Se alimentar de fel só ferirá mais o peito. Vale mais a dura cicatrização da fossa que a abertura maior de uma ferida. Que descanse.

Nosso grande poeta, não só samba, mas do foxtrot, morreu cedo, aos 26 anos, em pouco tempo fez mais de 200 canções, sendo que algumas "novas" só apareceram depois de décadas de sua morte (http://pt.wikipedia.org/wiki/Noel_Rosa). Do lado de lá voltou a trabalhar, mas para Jesus, sem perder o brilho poético, o ritmo e o bom humor. Vários grupos de jovens espíritas cantam suas canções mediúnicas. Noel trabalha do lado de lá no tete a tete como povo, ajudando no corpo a corpo, na conversa, na compreensão, no "estar junto", a orientar àqueles que precisam de um bom rumo. Noel é homem do povo, vai ajudar as pessoas onde elas estiverem, em seus desregramentos ou não.

Meu encontro com ele: Noel surgiu em minha vida em 1978, aos 9 anos, quando o escolhi para realizar um trabalho de língua pátria (língua portuguesa). Fiz uma biografia em forma de jornal, transcrevi num estensil e rodei para todos os alunos da turma. Minha mãe me ajudou a ler e compreender aquele jovem que tanto talento tinha e o quanto era reverenciado por Maria Bethania e cia. Só não entendi como ele podia ter sido tão desleixado com a sua saúde? Noel era um amigo para mim, que me acompanharia em toda a minha vida. Me felicitou o fato dele ser o cantor principal da juventude de Chico Xavier, são da mesma geração, do mesmo ano. Me felicitou ver as suas canções como espírito e ver um grande centro em SP com o seu nome. Só abriu mais ainda os meus olhos (e ouvidos) para esta figurinha amiga que me alegrou os dias mais tristes.

http://cifrantiga3.blogspot.com/2006/04/noel-rosa.html

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